Cândido Ananaz: Entre a Arte, o Povo e a História (Entrevista a Rádio 8000)

Cândido Ananaz: Entre a Arte, o Povo e a História (Entrevista a Rádio 8000)



 “O Povo é o meu Palco e a Memória é a Minha Canção”

Introdução
Com mais de quatro décadas dedicadas à música de intervenção cultural, Cândido Ananaz é um dos nomes incontornáveis da história artística angolana. Filho do Namibe, voz das comunidades, cronista de guerras e esperanças, o músico iniciou-se cedo — demasiado cedo, talvez — no turbilhão da vida artística nacional. Hoje, aos 50 anos da Independência de Angola, continua a rodar o país com o seu projeto Ovipala, levando música, memória e investigação cultural às comunidades autóctones.

Nesta entrevista, recordamos momentos marcantes da sua vida: dos palcos revolucionários aos festivais internacionais, das dificuldades às conquistas, do menino que cantou David Zé ao homem que hoje canta pela paz e pela cultura angolana.


PERGUNTAS & RESPOSTAS

Boa noite, Cota Cândido Ananaz. Começo pelo presente: o projeto Ovipala está em digressão pelo país. Como está a decorrer esta viagem artística?

Estamos numa digressão pelo centro-sul, em seis províncias: Namibe, Huíla, Cunene, Benguela e, na segunda fase, vamos ao Huambo e ao Cuando Cubango. Está a correr muito bem, apesar dos solavancos normais de estrada. O objetivo é levar o espetáculo às comunidades autóctones, onde a música tem mais sentido e mais verdade.


Vamos recuar no tempo. Em 1976, com apenas 12 anos, subiu ao palco no primeiro aniversário da Independência. Como viveu essa experiência?

Sinceramente, naquela altura não entendíamos o alcance da Independência. Sabíamos que o país era livre, mas não a profundidade disso. Eu fui convidado para cantar uma música do David Zé — Quem Matou Amílcar Cabral — e sem perceber muito bem como, dei por mim num espetáculo oficial. Curti o momento, claro, mas a consciência veio muito mais tarde.


No ano seguinte tornou-se cantor infantil da OPA. Que memórias guarda dessa fase?

Foram poucos meses. Depois fui para Luanda, estava para ir a Cuba, acabei por não ir. Cantei pouco tempo na OPA… e fui barrado. Sim, já havia barramento naquela altura (risos).


Em 1984 inicia a carreira oficial com o grupo Estrela Juvenil. Que importância teve o grupo na sua formação?

Tudo. Eles praticamente obrigaram-me a ser músico. Nunca foi minha pretensão seguir a música. E por não a ter levado sempre a sério, talvez tenha perdido oportunidades. Só há uns 15 ou 20 anos comecei a olhar realmente para a música como missão.


Pode-se afirmar que foi o primeiro “Ananaz” da família a entrar na música?

Não é questão de considerar — é realidade. Fui o primeiro artista da família. E, curiosamente, numa altura em que escondíamos o apelido por causa de bullying. Chamavam-nos “fruta”. Foi num festival que o nome saiu completo e ficou para sempre: Cândido Ananaz.


Ainda nos anos 80, vence o 2º Festival Nacional da Canção Política, no Cubal. Como viveu esse momento?

Foi histórico. Eu tinha 20 anos. Mal tocava violão. Os “cotas” que lá estavam tinham 30 anos, experiência e confiança — eu só tinha medo (risos). Mas cantei uma música diferente, sobre a paz, enquanto muitos cantaram sobre Agostinho Neto.
Quando entoei versos como “mesmo as crianças já falam das guerras, falam das bombas como se fossem bolos”, a plateia arrepiou-se. Ali percebi o poder da música.


Recebeu 100 mil kwanzas — muito dinheiro na altura. Teve noção disso?

Nenhuma! Só descobri depois que aquilo equivalia a cerca de 3 mil dólares.
Eu só fui ver dólares mesmo em 1987, quando viajei para a Bulgária.


A propósito da Bulgária, como foi representar Angola num festival internacional?

Foi a minha primeira viagem ao exterior. Culturalmente, era tudo novo. Até vivi um episódio de racismo — um cigano deu-me um catucão por eu estar acompanhado de uma moça branca que era nossa tradutora. Mas no festival foi maravilhoso: a recepção, a ovação, a energia.
Só não estava preparado para hotéis com portas que abriam sozinhas (risos). Era tudo novidade para um jovem do bairro.


E dentro de Angola? Há alguma história marcante das inúmeras digressões?

Muitas. Lembro-me de 1991, quando quase perdi um espetáculo na Gabela. Falhei o carro e tive de pedir boleia às tropas nos controlos militares. Paravam carros, explicavam: “leva o músico”. Cheguei quando o espetáculo já terminava e pedi ao apresentador para anunciar que eu tinha chegado.
E em 1988, acompanhámos a despedida do primeiro contingente cubano. Dormíamos em unidades militares, vimos demonstrações de guerra reais, viajámos pela linha da frente. Histórias duras, mas formadoras.


Entre 1988 e 1990 concorreu três vezes ao Top dos Mais Queridos. Como vê hoje essa fase?

O Top era uma grande janela aberta. Muita gente pensa que ganhei com Beleza e Natureza. Não ganhei — fiquei em sexto.
Mas para mim essa música é vencedora. É das que mais toca até hoje. A rádio fez muito por nós que vivíamos fora de Luanda. O Top era liberdade artística, era visibilidade nacional.


Hoje, depois de tantas décadas, como olha para a música e para o seu papel nela?

A música é muito séria. É diversão, sim, mas é ciência e responsabilidade. A idade não determina nada. Se não fizermos por nós, fazemos pelos outros. Hoje sei que posso fazer muito.
E continuo a fazer.


Encerramento

Da infância revolucionária ao palco internacional, da canção política às digressões de investigação cultural, Cândido Ananás mantém vivo o espírito que sempre o moveu: cantar para o povo, preservar a memória e transformar a dor em música. Um artista que viveu a história de Angola por dentro — e que hoje a devolve, em forma de canção.


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